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Artigo de Robert Raymond publicado originalmente na Shareable em 02.04.2020 e como capítulo do ebook gratuito Lesson's From the First Wave que retrata lições da primeira fase de pandemia.

Tradução por Tiago Giordani - tiago.giordani.translator@gmail.com / Revisão por Maira Lavalhegas - lavalhegas@hotmail.com

Pessoa lendo um jornal com a manchete em inglês "o mundo está mudando"
Imagem de Gerd Altmann da Pixabay

No fim de Março de 2020, quando o vice-governador republicano do Texas, Dan Patrick, sugeriu que os idosos deveriam estar dispostos a morrer de COVID-19 para que a economia pudesse voltar a ter superávit positivo, algo importante mudou. Em poucas palavras, a máscara caiu. Ali, estava um político eleito explicitamente dizendo que para crescimento econômico seria necessários holocausto de humanos.

“O capitalismo sempre exigiu o sacrifício de vidas”

disse a autora e ativista Naomi Klein a 14.000 pessoas em um seminário online organizado pela Haymarket Books em 2020. “[É um] modelo econômico encharcado de sangue. Esta não é uma versão mais radical do capitalismo; o que é mais radical é a quantidade de vidas perdidas.”

É lamentável que seja necessária uma pandemia global para revelá-la, mas a crise sem precedentes catalisada pelo coronavírus expôs nosso sistema econômico capitalista pelo que sempre foi. Desde os primórdios da história do capitalismo, da escravidão, do confinamento dos bens comuns às devastações do capitalismo industrial e aos modernos regimes de austeridade, o capitalismo sempre colocou o lucro acima das pessoas.

É exatamente por isso que quaisquer pedidos de “retorno ao normal” são equivocados. “O normal é homicida, o normal resultou numa crise massiva”, enfatizou Klein. “Não precisamos estimular a economia da morte, precisamos catalisar uma transformação massiva em uma economia em prol da proteção da vida.”

Em 2007, Klein apresentou sua tese sobre o capitalismo do desastre para o mundo em seu livro inovador, “The Shock Doctrine”. Suas ideias pareciam explicar perfeitamente muito do que estava – e ainda está – acontecendo globalmente. A tese é bastante simples: quando uma crise se desenrola, os capitalistas do desastre tentarão criar uma oportunidade para avançar em suas agendas nefastas. Um exemplo óbvio disso é o projeto de lei de estímulo aprovado em 2020 que põe milhões de dólares em Wall Street e corporações gigantes com supervisão ou regulamentação mínima. Nada sugere um “retorno ao normal” mais do que outro resgate corporativo que nunca “chega ao restante da população”.

Em vez disso, o que Klein e outros exigem é um resgate de baixo para cima que vá muito além de simplesmente sobreviver a esta crise aguda. Ao longo do seminário, Klein e seus colegas Astra Taylor e Keenga-Yamahtta Taylor ofereceram uma variedade de soluções que poderiam ser aplicadas ambos às crises de curto e longo prazo devido, especialmente, ao coronavírus do capitalismo – ambos alívio e recuperação. Um exemplo de atenuação imediato seriam adiamento do pagamento dos alugueis até o fim da crise pelo menos, enquanto, de recuperação seria aprovar políticas que garantissem moradia acessível a todos habitantes dos Estados Unidos. A primeira é uma medida paliativa para mitigar danos imediatos; a última é uma transformação sistêmica.

Parte do pacote de recuperação econômica que acaba de ser aprovado no Congresso Nacional dos Estados Unidos da América inclui um pagamento único de US$ 1.200 para indivíduos que ganham menos que de US$ 75.000 por ano. Houveram muitas críticas vindas de diferentes comunidades, sugerindo que o valor de US$ 1.200 é muito baixo. O número provavelmente foi derivado com base no salário-mínimo federal, que um trabalhador em tempo integral ganha US$ 7,25 por hora arrecada US$ 1.160 mensais. Arredondado, isso explica o valor de US$ 1.200 que os republicanos e democratas concordaram para ajuda a população.

Se utilizarmos o enquadramento incentivado por Klein e outros, podemos começar a ver como a pandemia de coronavírus simplesmente revela o desastre crônico que é o salário-mínimo federal. Se US$ 1.200 não é suficiente em uma crise aguda, certamente não é suficiente em tempos “normais”.

 Moradia acessível e aumento do salário-mínimo não são ideias novas. De fato, muitas das propostas de política estrutural apresentadas por Klein e seus companheiros são ideias que estão na agenda da esquerda há algum tempo. “Precisamos renová-las nesse momento”, argumentou Klein. “A boa notícia é que não começamos do zero”.

Propostas políticas como o Green New Deal, assistência médica universal, renda básica universal e proteções trabalhistas, como aumentar o salário-mínimo para US$ 15/h e democratizar a economia, por exemplo, estão todas – como Klein coloca – “no ar” há algum tempo. Ela empresta essa frase do economista Milton Friedman, que argumentou que a transformação radical só pode ocorrer em períodos de crise aguda. É durante esses períodos que as ideias “vigentes” entrarão em cena para preencher as lacunas.

Friedman foi um economista americano de direita cujas ideias são amplamente responsáveis pela ascensão do neoliberalismo e das políticas de austeridade que moldaram os últimos 40 anos. Ele utilizou uma crise do capitalismo durante o final da década de 70 para ajudar a inaugurar uma transformação abrangente que encerrou a era keynesiana do New Deal nos Estados Unidos.

“A escala da crise do coronavírus é tão profunda que agora há uma oportunidade de refazer nossa sociedade para um bem maior, enquanto rejeitamos o individualismo pernicioso que nos deixou totalmente mal equipados para o momento”

explicou Keenga-Yamahtta Taylor durante o seminário. “A hierarquia de classe de nossa sociedade incentivará a propagação desse círculo vicioso, a menos que soluções dramáticas e anteriormente impensáveis sejam imediatamente colocadas na mesa”.

O coronavírus é um evento sem precedentes, mas é apenas um agravamento das divisões de classe devido à destruição de nossa rede de segurança social e à intensificação da mentalidade do individualismo egoísta incentivada já pelo capitalismo que, logo, transformam esta pandemia em uma crise inimaginável.

Coisas como prorrogação para despejo, de estímulo ou de benefícios estendidos de desemprego, mas que não abordarão fundamentalmente as condições que permitiram que o coronavírus se desenvolvesse de forma tão desastrosa. Eles também não abordarão os muitos desastres crônicos que assolam a sociedade capitalista diariamente. Como Klein e outros argumentam, essas coisas só podem ser tratadas por meio de uma transformação radical e sistêmica.

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