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Artigo de Aaron Fernando publicado originalmente na Shareable em 7.07.2020 e como capítulo do ebook gratuito Lesson's From the First Wave que retrata lições da primeira fase de pandemia.

Se você participa de alguma iniciativa de ajuda local, cadastre-a gratuitamente na plataforma idealista para acessar recursos, ideias e pessoas dispostas a ajudar.

Tradução por Tiago Giordani - tiago.giordani.translator@gmail.com

Escrito em giz no chão com a mensagem "Cuide um do outro"
Foto de Tim Dennell via Flickr

Quando a pandemia de COVID-19 se iniciou, ela causou problemas que se espalharam pela saúde, transporte público, serviços de entrega e sistemas alimentares. Ao fazê-lo, revelou uma verdade nua e crua que, para nossa economia, embora certos serviços sejam essenciais, os humanos que os fornecem são descartáveis – ou que possam ser sacrificados, nas palavras de alguns.

Embora muitas pessoas possam trabalhar em casa, outras que prestam os chamados serviços essenciais são compelidas pelos seus empregadores a arriscar a vida ou ficarem sem remuneração. Ao considerar certos empregos essenciais, os trabalhadores não podiam se isolar. E se eles desistirem, não se qualificam para redes de segurança, como o seguro-desemprego.

O sistema econômico dominante opera com base neste princípio de coerção financeira persistente, mas há, e sempre houve, maneiras alternativas de administrar uma sociedade em princípios completamente diferentes, com maneiras de organizar os indivíduos em coletivos que fornecem serviços essenciais sem a necessidade de coerção.

De uma só vez e aparentemente em todos os lugares, as pessoas pareciam se lembrar do antigo princípio de ajuda mútua. Em sua essência, a ajuda mútua é um sistema de pessoas ajudando pessoas e de comunidades ajudando comunidades. Realizada de forma voluntária e contínua, com um nível de respeito e empoderamento não oferecido na economia dominante, a ajuda mútua também funciona como uma alternativa radical para as comunidades viverem e trabalharem de uma maneira totalmente diferente.

Embora o coronavírus a tenha colocado na mente de muitos, a ajuda mútua não é nova. Comunidades sistematicamente oprimidas, especialmente comunidades negras nos EUA, têm usado continuamente a ajuda mútua para compartilhar serviços essenciais enquanto suas vidas e necessidades são frequentemente deixadas de lado. A acadêmica Jessica Gordon Nembhard diz em seu livro Collective Courage: A History of African American Cooperative Economic Thought and Practice (Coragem Coletiva: Uma História do Pensamento e Prática Econômica Cooperativa Afro-americana) que as sociedades de ajuda mútua foram a pedra angular das comunidades afro-americanas. Uma delas é a Free African Society, formada na Filadélfia uma década após a assinatura da Declaração de Independência. Em 1830, mais de cem sociedades de ajuda mútua existiam somente na Filadélfia.

Portanto, baseando-se no conhecimento existente e ao invés de reinventar a roda, este artigo é um guia para iniciar ou aumentar a capacidade de uma rede de ajuda mútua.

Comece pequeno e comece em qualquer lugar

É normal não ter um grande plano para salvar o mundo ao iniciar uma rede de ajuda mútua. Na verdade, é melhor se você não fizer isso – a ajuda mútua é um processo complexo e emergente, onde as habilidade e ideias de cada membro são respeitadas. Ela também opera em escala local. Não saber todas as respostas e ser capaz de admitir isso é um bom começo.

Organizadores eficazes sempre nos lembram que a organização envolve, antes de tudo, as pessoas e os fortes relacionamentos entre elas. A primeira coisa a se fazer é desenvolver uma equipe central. A organização exige que passemos muito tempo juntos, então pense nas pessoas em quem você confia e que estão empenhadas em aparecer.

Em março, a congressista Alexandria Ocasio-Corteza promoveu uma conversa com a ativista e organizadora de ajuda mútua Mariame Kaba sobre como iniciar uma rede como esta. Os recursos discutidos neste treinamento foram compilados em um “kit de ferramentas” muito útil e conciso, acessível a qualquer pessoa gratuitamente. Este “kit” aconselha que, se você não souber o que fazer no início, comece pedindo a alguém próximo a você para ajudar a fazer um “brainstorm” e fazer conexões que o ajudarão a entender as necessidades da comunidade. Depois disso, estenda a mão e tente formar um pequeno grupo de cinco a 20 pessoas.

Uma ferramenta comum a ser usada para pensar sobre com quem entrar em contato é um mapa de conexões. Um mapa de conexões é uma maneira simples de visualizar as pessoas em sua vida com as quais você já está conectado – pessoas que podem atender às suas necessidades básicas e que, por sua vez, você pode atender. O mapeamento de conexões também permite que você visualize os indivíduos e organizações com as quais você poderia entrar em contato e com as quais aprofundar relacionamentos. Há um grande recurso de mapeamento de conexões criado por Rebel Sidney Black, adaptado como um código aberto de uma ferramenta desenvolvida pelo Bay Area Transformative Justice Collective para lidar com prejuízos às comunidades.

Faça conexões locais

O “kit de ferramentas” diz que os organizadores devem identificar claramente sua área de suporte e começar a fazer conexões. Ele pergunta: “Você está tentando apoiar as pessoas em seu andar, em seu prédio, em seu quarteirão, em seu bairro ou em uma comunidade social não específica à geografia?”

As conexões que você faz não terminarão quando uma crise passar. A organizadora, que mora em Madison, Stephanie Rearick, tem organizado redes como essa há anos e é cofundadora da rede global de grupos de ajuda mútua HUMANs (Humans United in Mutual Aid, ou Humanos Unidos em Ajuda Mútua). Rearick me disse em uma entrevista que a ajuda mútua vai além de responder a crises repentinas como a pandemia. “Estamos prestes a fazer a mudança sistêmica de longo prazo... sempre que pudermos construir mais do que o comum e tirar as coisas da necessidade de ser transacional, pensamos que essa é a maneira de encontrar o máximo de abundância”, disse Rearick. As redes de ajuda mútua demonstraram uma maneira diferente de fazer as coisas. “Todos nós temos valor, todos merecem ter suas necessidades atendidas e todos temos algo a oferecer.”

“Para fazer conexões, faça perguntas que possam ajudar a descobrir as necessidades e habilidades dos vizinhos.”

Para fazer conexões, o kit de ferramentas sugere perguntas que podem ajudar a descobrir a necessidade e habilidades de vizinhos como: "Quais os seus hobbies e interesses?" e "Quais as suas necessidades? O que você tem medo de perder? Qual tipo de ajuda você precisa?". Também tem algumas sugestões úteis sobre como lidar com grupos com mais integrantes.

Construir em redes existentes

É provável que já existam grupos perto de você que têm a capacidade de oferecer serviços ou acessar suas conexões existentes na comunidade. Reservar um tempo para procurar esses grupos é vital.

Juliana Garcia e Josh Dolan são dois dos facilitadores do Mutual Aid Tompkins em Ithaca, Nova York. Juliana disse que indivíduos e organizações que já realizam o trabalho são cruciais para colocar em funcionamento as redes de ajuda mútua de emergência. “Há organizações com as quais nos conectamos, que têm feito alguma forma de ajuda mútua”, disse Garcia. “Simplesmente não era chamado assim explicitamente.”

“Entre em contato com as organizações existentes que atendem às populações sub-representadas e vulneráveis em sua comunidade.” 

Entre em contato com as organizações existentes que atendem às populações sub-representadas e vulneráveis em sua comunidade. O Mutual Aid Hub também tem um mapa pesquisável para encontrar grupos perto de você (nos Estados Unidos). Para um mapa global, visite https://www.idealist.org/pt/coletivos

Mantenha uma comunicação profunda e regular

Depois que sua rede crescer para conectar pessoas, organizações e comunidades, a comunicação individual continuará sendo importante. Embora as mídias sociais, listas de e-mail e postagens de blog possam espalhar mensagens por toda parte, é aconselhável manter a prática de aprofundar as conexões por meio de conversas individuais.

Esse tipo de comunicação tem melhores resultados na mobilização de pessoas, na busca de informações sobre necessidades e recursos e na divulgação de uma mensagem específica. Também reforça a coesão da rede. As “árvores de telefone” (phone tree no original em inglês) são frequentemente utilizadas para que as conversas possam acontecer de forma rápida e eficiente, ao mesmo tempo que divide o esforço entre os membros. O kit de ferramentas leva a um recurso sobre como construir uma árvore telefônica, o que deve ser estabelecido e usado regularmente.

Adapte-se às necessidades da comunidade

Um grupo de ajuda mútua deve ser um organismo adaptável, projetado para responder às necessidades da comunidade. “Uma das coisas que estou muito orgulhoso de ter feito é ser realmente responsivo às necessidades da comunidade e descobrir como responder a essas necessidades de uma forma muito rápida e não ficar atolado em sistemas,” disse Garcia. A rede deles começou como uma central de informação informações e depois se tornou um centro para fazer conexões. “Acho que nosso papel tem sido em grande parte fazer networking e coletar recursos”, disse Dolan, que disse que os membros da comunidade muitas vezes se auto-organizam usando as páginas do Mutual Aid Tompkins no Facebook. “Todo o trabalho físico está sendo feito por voluntários.”

Não apenas as atividades do grupo devem ser adaptativas, mas também a própria estrutura do grupo. De grupos de fabricantes de máscaras a construtores de armários e grupos de trabalho para adultos mais velhos, muitos dos programas coletivos e em rede se desenvolvem organicamente.

“Os fabricantes de máscaras são um exemplo muito bom disso”, disso Dolan, referindo-se aos Tompkins Mask Makers, um coletivo no condado de Tompkins que vende máscaras feitas à mão para a região e usa seus lucros para fornecer máscaras para os necessitados. “Eu sei que estávamos trabalhando nisso inicialmente, mas então as pessoas que têm habilidades de costura e habilidades empreendedoras se juntaram e meio que decolou organicamente... Eu acho que foi muito bem-sucedido porque, naquele ponto, as pessoas só queriam descobrir como ajudar e isso era algo que as pessoas podiam fazer em casa com as habilidades que já possuem.”

Aproveite os recursos da comunidade

Visto que a ajuda mútua é um princípio atemporal, existem muitos recursos gratuitos disponíveis que podem tornar mais fácil iniciar sua própria rede. Além das ferramentas mencionadas acima, outro recurso para ideias e inspiração é a Big Door Brigade. Oferecendo apoio jurídico e fundos de fiança, moradia e creche, o grupo com sede em Seattle tem ligações com organizações em uma ampla gama de provedores comunitários. A Mutual Aid Networks também tem recursos, incluindo estruturas legais, sociais e financeiras para ajudar a construir e manter redes. A página final do kit de ferramentas AOC também possui uma lista adicional.

A pandemia vai acabar, mas certamente não será a última crise que sua comunidade enfrentará. Muito antes do COVID-19 ser um nome familiar, e muito depois que a pandemia e as crises subsequentes diminuírem, as redes de ajuda mútua fortalecerão suas comunidades e capacitarão indivíduos e comunidades para moldar seus próprios futuros.

“Parece que estamos criando toda uma nova infraestrutura para o mundo que queremos ver”, disse Dolan. “Precisamos descobrir como ativar todos e, às vezes, uma crise é o que você precisa para abrir essa porta.”
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